Veja que ironias quatro séculos são capazes de produzir. Em 1600, a Inquisição Romana queimou Giordano Bruno na fogueira, após condená-lo como herege. Uma de suas ofensas foi afirmar que cada estrela no céu era um sol como o nosso, com sua própria coleção de planetas girando ao redor dela. Esses mundos, por sua vez, seriam habitados, segundo o filósofo. Saltamos para 2014. O Observatório do Vaticano — instituição astronômica da Santa Sé — organiza nesta semana uma grande conferência científica com o tema: “A Busca por Vida Além do Sistema Solar. Exoplanetas, Bioassinaturas e Instrumentos”. O que você achou dessa?
Bruno, que nunca pecou pela discrição, certamente teria rido alto. Entre 1593 e sua execução em praça pública, ele foi encarcerado e torturado nos calabouços da Igreja. Apesar disso, recusou-se a recantar suas supostas heresias, em busca de clemência. (Galileu 30 anos mais tarde faria isso e escaparia da fogueira, ganhando “apenas” prisão perpétua.) Ao ouvir a condenação, inquebrantável, Bruno teria dito: “Possivelmente vocês que pronunciam minha sentença têm mais medo do que eu que a recebo.” O pensador italiano sabia que sua visão de mundo vinha para ficar e, mais dia, menos dia, se provaria correta. O que ele talvez não imaginasse é que os herdeiros intelectuais de seus carrascos a promoveriam com tanta pompa e circunstância.
(Sinal de que pelo menos os líderes católicos já assimilaram a lição de que brigar com a ciência e desqualificá-la, tentando manter os fiéis sob o manto pesado do obscurantismo, é, além de estúpido e desonesto, inútil a longo prazo. Quisera eu todas as lideranças cristãs encontrassem esse mesmo caminho e parassem de rechaçar fatos incontestáveis, como a evolução das espécies e o Big Bang. Ciência e fé não são mutuamente exclusivas, e nenhum dos lados deve temer o outro, contanto que cada um aceite ficar no seu quadrado.)
O interessantíssimo evento acontece na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, onde fica o Observatório Steward, que abriga o Grupo de Pesquisa do Observatório do Vaticano. A programação científica começa hoje e vai até o final da semana.
Serão mais de 200 cientistas participantes e diversos pesquisadores graúdos da astrobiologia estarão por lá, entre eles Steven Benner (que estuda a origem da vida) e Sara Seager (que investiga a possibilidade de detectarmos sinais de uma biosfera alienígena em planetas fora do Sistema Solar). Também figuram na programação a astrofísica Jill Tarter, grande campeã da pesquisa SETI (Busca por Inteligência Extraterrestre), e o astrônomo brasileiro Eduardo Janot Pacheco, da Universidade de São Paulo. Ele falará especificamente sobre sua proposição de que o conceito de “zona habitável” (região do sistema planetário em que um mundo recebe a quantidade certa de radiação da estrela para permitir a existência de água líquida em sua superfície) é apenas um recorte limitado para a busca por vida fora da Terra. Ele elabora o conceito de “zona extremófila”, muito mais amplo, em que criaturas capazes de sobreviver em ambientes extremos poderiam evoluir e proliferar.
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