segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

As 14 perguntas essenciais sobre as violações e os erros da AP 470

Principais questões sobre violações e erros cometidos ao longo do julgamento e prisões; juristas e advogados condenam condução do ministro Joaquim Barbosa:

1 – QUAIS AS VIOLAÇÕES COMETIDAS POR BARBOSA NA EXECUÇÃO DAS PENAS? ELE SEGUIU O QUE MANDA A LEI?
Primeiro, o STF inovou com o “trânsito em julgado parcial”. Ou seja, réus que ainda estão sendo julgados, com recursos a serem analisados, tiveram a prisão decretada, algo inédito na história do direito brasileiro. Mas a execução penal é apenas um capítulo a mais em uma série de violações constitucionais de um julgamento marcado por graves erros e ineditismos jurídicos que precisam ser denunciados e revistos.
Apenas do dia 15 de novembro até hoje, eis a lista de violações cometidas pelo presidente e relator do caso,  Joaquim Barbosa:
- Determinação da prisão dos réus no dia da proclamação da República, feriado, de forma monocrática, sem a definição do regime prisional para cada condenado.
- Determinação da prisão sem expedição das cartas de sentença que deveriam orientar o juiz responsável pelo cumprimento das penas. Estas só foram expedidas 48 horas depois, num claro desrespeito à Lei de Execuções Penais.
- Descumprimento de determinação do Conselho Nacional de Justiça, presidido por Barbosa, segundo a qual as prisões devem ser feitas apenas com cartas de sentença. Os réus foram presos apenas com mandado de prisão.
- Transferência dos presos para Brasília, onde mesmo os réus com direito ao semiaberto iniciaram as penas no regime fechado do complexo da Papuda.
- No caso do deputado José Genoino, com direito a cumprir a pena em regime semiaberto, a decisão colocou em risco sua saúde e sua vida. Ele passou recentemente por uma cirurgia cardíaca e vinha se submetendo a rigoroso tratamento por causa de seu estado delicado de saúde.
-   Descontente com a condução da execução penal, Joaquim Barbosa mandou substituir o juiz responsável, escolhendo um nome cuja família tem ligação política com o PSDB. A arbitrariedade da substituição foi amplamente criticada pela OAB e por órgãos que representam os magistrados.
-   Joaquim Barbosa negou os recursos apresentados pelo deputado João Paulo Cunha, encerrando sua condenação pelos crimes de peculato e corrupção passiva, porém saiu de férias sem expedir o mandado de prisão.
-   O presidente do Supremo também adotou claro comportamento “dois pesos e duas medidas”: enquanto José Genoino foi preso em regime fechado e depois encaminhado ao domiciliar, o ex-deputado Roberto Jefferson segue em liberdade, mesmo depois da recomendação da Procuradoria para que ele fosse preso imediatamente.
-   O conjunto das ilegalidades de Joaquim Barbosa incomodou juristas e advogados. Principais declarações desde o início das prisões:

“Garantir aos condenados neste processo uma execução correta das penas não é privilégio. É fazer cumprir a lei”
16/12 – PierPaolo Bottini e Sergio Renault 

“Eu nunca imaginei que o Supremo Tribunal Federal fosse tomar o rumo que tomou”
15/12 – Bandeira de Mello

“A mídia julga, condena e não há tribunal contra essa condenação. É falácia dizer que Poder Judiciário mudou depois da AP 470”
15/12 – Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

“Todo condenado deve cumprir sua pena, mas nunca além daquela para a qual foi condenado. Se o Estado o mantém no cárcere além do prazo, torna-se responsável e deve ser punido por seu ato. Como não se pode encarcerar o Estado, deve-se pelo menos pagar indenizações à vítima pelos danos morais causados.
A tese vale também para aqueles que forem condenados a regimes abertos ou semiabertos e acabarem por cumprir a pena em regimes fechados, por falta de estrutura estatal, pois estarão pagando à sociedade algo que lhes não foi exigido, com violência a seu direito de não permanecerem atrás das grades. Nesses casos, devem também receber indenização por danos morais.”
13/12 – Ives Gandra Martins

“O que mais assusta é o encarceramento de pessoas que não foram condenadas a este tipo de pena”
10/12 – Pedro Serrano

“A Ação Penal 470 não tem valor jurídico”
“ As prisões foram absolutamente absurdas e ilegais, feitas para ‘criar um espetáculo’”
09/12 – Dalmo de Abreu Dallari 

“Pelo visto, alguns magistrados são platônicos e gostariam de banir a democracia para sempre”
09/12 Maria Sylvia Carvalho Franco

“Onde se encontra a lei que retira a prisioneiros de qualquer índole o direito de expressão, e mais, de expressão impressa?”
06/12 – Wanderley Guilherme dos Santos 

“A execução começou e se mantém até o momento fora dos trilhos da legitimidade e da legalidade”
03/12 – Wálter Maierovitch 

“[Afastamento de juiz da execução das penas] fere a democracia”
28/11 – Kenarik Boujilian, juíza

“Pelo menos na Constituição que eu tenho aqui em casa não diz que o presidente do Supremo pode trocar juiz, em qualquer momento, num canetaço”
25/11 – João Ricardo dos Santos Costa (presidente eleito da AMB)

“O STF continua a inovar na legislação penal e processual penal. Agora, instituiu-se o “trânsito em julgado parcial”
25/11 – Hugo Leonardo, advogado criminalista e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

“Nunca houve impeachment de um presidente do STF. Mas pode haver, está na Constituição. Bases legais há. Foi constrangedor, um linchamento. O poder judiciário não pode ser instrumento de vendetta.”
25/11 – Claudio Lembo, ex-governador de SP

“Além das flagrantes ilegalidades e abusos de poder, o ministro Barbosa não domina a lei de execução penal”
22/11 – Wálter Maierovitch

“A prudência impediria que réus condenados a regime mais brando ficassem presos, um minuto sequer, em outro mais gravoso”
21/11 – Luiz Guilherme Arcaro Conci, da OAB

“Não enxergo qualquer efeito pedagógico nesse julgamento e não desejo em hipótese alguma que se repita em outros processos futuros”
18/11 – Wanderley Guilherme dos Santos


2  – DURANTE O JULGAMENTO, O SUPREMO VIOLOU OUTRAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS?
Em várias ocasiões, o Supremo violou princípios legais e constitucionais, algo já fartamente apontado por juristas e advogados. Uma das primeiras prerrogativas violadas pelo Supremo foi o direito, assegurado pela Constituição, de um réu ser julgado por pelo menos duas instâncias jurídicas, o que também fere a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos. A lei brasileira determina que apenas aqueles que dispõem de foro privilegiado à época da denúncia devem ser julgados diretamente pela Suprema Corte. Apenas três dos quase 40 réus tinham foro privilegiado. Mas todos os demais foram igualmente julgados pelo STF, sem direito à apelação a outra instância.
O princípio da presunção da inocência também foi abalado. Mais: foi invertido. Manifestações de ministros – como Luiz Fux, ao dizer que a presunção de inocência admite prova em contrário. “Não é qualquer fato oposto que pode destruir a razoabilidade de uma acusação”, afirmou durante o julgamento. Ou seja, assumiu textualmente que caberia aos réus o dever de provar sua inocência, livrando a acusação da obrigação de provar a culpa. Foi assim que, mesmo sem provas, o STF promoveu condenações.
Ao lado da inversão do chamado ônus da prova, o STF também fez o uso flexível das provas indiciárias para justificar parte das condenações. É o tipo de prova que se constrói a partir de um indício – não necessariamente robusto – do envolvimento do réu no fato analisado. O que se percebeu nos votos de boa parte dos ministros foi uma flexibilização para acolher provas produzidas na fase de investigação policial ou pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, nas quais não ocorreram o contraditório e a ampla defesa. Em outras palavras, o STF condenou com base em indícios, probabilidades, estranhezas, coincidências ou presunções.
Outra violação foi a dispensa da chamada prova de ofício para o crime de corrupção passiva e ativa. Ou seja, bastou a existência de indícios para materializar a culpa dos réus, sem se ater ao próprio ato em si e suas consequências. Foi assim que o STF justificou a acusação de compra de votos, mesmo sem provas.

3 – A DECISÃO DO STF VIOLA A CONVENÇÃO INTERAMERICANA DOS DIREITOS HUMANOS – PACTO DE SAN JOSÉ?
O Brasil é um dos signatários do Pacto de San José da Costa Rica, que trata das garantias dos direitos humanos e judiciais. Entre essas garantias, está o direito de o réu ser julgado por pelo menos duas instâncias, o chamado duplo grau de jurisdição. Como até mesmo os réus sem foro privilegiado foram julgados pelo STF – o mais alto tribunal do país -, sem direito a recurso em outro tribunal, houve violação do pacto. Com isso, parte dos réus já manifestou a decisão de recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em seu artigo 8º, a Convenção estabelece os princípios das garantias mínimas a qualquer cidadão, como a presunção da inocência e o “direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior” – duas garantias não respeitadas na AP 470.
O mesmo artigo também prevê o direito a um julgamento por juiz imparcial. Quem investiga o crime não pode ao mesmo tempo ser o juiz do processo. A Suprema Corte brasileira, com base no artigo 230 do seu regimento interno, não respeitou tal princípio. O ministro relator Joaquim Barbosa, responsável por todo o período da investigação, também conduziu o julgamento, em clara violação ao Pacto de San José.

4 – FOI O MAIOR ESCÂNDALO POLÍTICO DA HISTÓRIA DO PAÍS? HOUVE DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO COMO CONCLUIU O SUPREMO?
Não. Por mais de um motivo. O primeiro é em relação ao suposto desvio de dinheiro público no valor de mais de R$ 70 milhões para financiar compra de votos na Câmara. A tese não para em pé. Há farta comprovação, nos autos do processo, de que todos os serviços de publicidade foram prestados no contrato da DNA com o Banco do Brasil usando o dinheiro do fundo Visanet. São notas fiscais, planos de mídia e documentação fotográfica e em vídeo que comprovam as campanhas realizadas em TVs, jornais, revistas e mídias aeroportuárias para divulgar o cartão Ourocard/Visa. O mesmo pode-se dizer a respeito dos patrocínios esportivos e culturais bancados pelo Banco do Brasil por meio deste contrato. A história se repete em relação ao contrato da SMP&B com a Câmara dos Deputados: não houve vício na licitação e a execução do contrato está documentada e aprovada pelo Tribunal de Contas da União.
Esta é a espinha dorsal da Acusação. A demonstração de que não houve o crime de peculato derruba o castelo de cartas elaborado pela Procuradoria-Geral da República e endossada pela maioria dos ministros no Supremo. Ora, se não houve desvio de dinheiro público, não há como negar que o dinheiro distribuído pelo valerioduto teve, de fato, origem nos empréstimos bancários junto aos bancos Rural e BMG. Como o próprio PT admitiu ainda em 2005, a dívida seria quitada com dinheiro recebido via caixa dois de empresas doadoras de campanha.
O destino do dinheiro, também reconhecido pelos partidos envolvidos na denúncia, foi o pagamento de dívidas da campanha de 2002 (eleições nacional e nos estados) e o financiamento para as disputas municipais em 2004. É fundamental que se registre que a lei eleitoral não proíbe que partidos aliados estabeleçam entre si acordos para repasse de verbas. O que não se permite é o uso de recursos não declarados.
Também não se justifica dizer que o escândalo envolveu o primeiro escalão do governo federal, com a participação de ministros no esquema. Anderson Adauto, ex-ministro dos Transportes, e Luiz Gushiken, ex-ministro de Comunicação Social, foram absolvidos pelo STF. Gushiken, inclusive, teve a absolvição pedida pela própria acusação, tal o descabimento da inclusão de seu nome no processo. José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, foi condenado como chefe da quadrilha do mensalão embora a acusação não tenha produzido uma prova sequer de seu envolvimento.

5 – OS ACUSADOS NO ESQUEMA FORMARAM UMA QUADRILHA?
De acordo com o Código Penal, o crime de formação de quadrilha ocorre quando três ou mais pessoas se associam, de maneira estável e permanente, com o propósito de cometer crimes e perturbar a paz social. O que, convenhamos, não ficou provado ao longo do julgamento.
Segundo o voto da ministra Cármen Lúcia, no caso da AP 470, tantos os réus ligados aos partidos políticos quanto os relacionados às agências de publicidade não se associaram com este fim específico. Para a ministra, eles já ocupavam tais cargos quando outros crimes foram cometidos.
A ministra Rosa Weber, depois acompanhada também pelo revisor Ricardo Lewandowski, argumentou ainda que só atuam em quadrilha pessoas que sobrevivem dos produtos conquistados pelo crime. “O fato narrado na denúncia caracteriza coautoria e não quadrilha”, afirmou à época do julgamento.
O debate tampouco é inédito no Supremo. Já em 2007, quando da aceitação da denúncia que deu origem à Ação Penal 470, já havia vozes na própria Corte que entendiam que a reunião de algumas pessoas para cometer delitos – seja de ordem financeira ou eleitoral – dentro de uma agremiação política não caracterizava a formação de quadrilha. Mesmo assim, a denúncia foi aceita sob o argumento de que era preciso ir a fundo na investigação. Cinco anos depois, superada toda a instrução penal, a acusação do Ministério Público manteve-se igualmente inconsistente.
Em agosto de 2013, um caso similar chamou a atenção e sua decisão caminhou na linha da divergência aberta por Lewandowski. O STF condenou o senador Ivo Cassol (PP-RO) e outros dois réus por fraude em licitações na cidade de Rolim de Moura, em Rondônia, entre 1998 e 2002, porém os absolveu do crime de quadrilha. No entendimento do ministro Dias Tóffoli, revisor do caso, não ficou provada a associação permanente para cometer crimes, como acusou o Ministério Público, restando apenas a união dos envolvidos para delitos pontuais, no sistema de coautoria.

6 – O MENSALÃO EXISTIU?
O mensalão não existiu e a expressão, cunhada por Roberto Jefferson, ganhou forte apelo midiático para acusar o PT de corrupção. É, no fundo, uma grande peça de marketing político com claros objetivos eleitorais. Em juízo, com exceção de Jefferson, todos os envolvidos – sejam réus ou testemunhas – negam sua existência. O mensalão não existiu porque nunca houve o desvio de dinheiro público tampouco a compra de votos na Câmara. Estes são dois pontos que terão de ser corrigidos numa possível revisão criminal. Se os embargos de declaração não foram o ‘fórum adequado’ para rediscutir o mérito, como muitos ministros reiteraram neste ano, resta a reabertura do julgamento por meio da revisão.
Vale ressaltar que a denúncia original se sustentava no pagamento mensal de mesadas de R$ 30 mil para que os parlamentares votassem a favor do governo. É consenso, no entanto, reconhecido pela própria acusação, de que nunca houve pagamento sistemático, como delatou Roberto Jefferson. O que existiu de fato, amplamente comprovado, foram repasses financeiros não declarados entre partidos para pagar dívidas de campanha, o que consiste, em resumo, em crime eleitoral.

7 – EXISTE LÓGICA NA ACUSAÇÃO DE COMPRA DE VOTOS DE PARLAMENTARES DO PRÓPRIO PT OU DA BASE ALIADA?
Não há qualquer lógica. Também não é possível dizer que as famosas ‘rebeliões’ de deputados às vésperas de qualquer votação aconteceram de forma inédita no primeiro governo Lula, o que teria justificado o pagamento de propina. Essas ‘rebelioes’ já ocorriam bem antes dessa época e perduram até hoje. É uma realidade do chamado “presidencialismo de coalizão”.
Além disso, um estudo estatístico que analisa o comportamento das bancadas em 2003 e 2004 na Câmara dos Deputados mostra que não há qualquer relação entre os saques de dinheiro nas agências do Banco Rural e as votações em Plenário.
A verdade é que o governo contava com maioria folgada de apoio na Câmara e sempre encontrou mais dificuldade para aprovar projetos no Senado, onde a maioria era apertada. Por que, então, o governo só teria comprado votos na Câmara e não no Senado? Mais ilógico ainda, neste cenário, seria o PT comprar votos de suas principais lideranças na Câmara dos Deputados – nomes que historicamente não questionavam a condução das propostas políticas do governo.

8 – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DECIDIU PRESSIONADO PELA MÍDIA?
É público e notório que a AP 470 recebeu forte pressão da mídia, inflando a opinião pública para que o julgamento fosse um marco no combate à corrupção, levando pela primeira vez políticos poderosos para o banco dos réus e, finalmente, para a cadeia. A transmissão ao vivo pela TV Justiça e pela GloboNews transformaram o caso em um reality show. Mídia e STF se retroalimentaram para fazer do julgamento um espetáculo. Frente às câmeras, os ministros se excederam em longos discursos políticos em detrimento ao debate jurídico, ganhando ampla cobertura de todos os veículos de mídia. Toda exposição televisiva do julgamento não atentou para o fato de ser um julgamento penal, que deveria ser marcado pela isenção.
A pressão para se fazer do mensalão o marco contra a corrupção resultou em sérias violações de garantias constitucionais, como o direito à presunção da inocência. Os réus foram a julgamento já condenados moral e publicamente. Os réus que não tinham foro privilegiado também tiveram negado o duplo grau de jurisdição (o direito de recorrer a outra instância). Os ministros inovaram ainda ao dispensar o ato de ofício como prova de participação no crime de corrupção, ao inverter o ônus da prova (isto é, coube a defesa provar a inocência e não ao Ministério Público a culpa) e, finalmente, ao aplicar de maneira equivocada a teoria do domínio do fato para superar a falta de provas contra determinados réus.
Todas as decisões, ao longo de mais de quatro meses de julgamento, foram tomadas para não afrontar o discurso uníssono de exemplaridade cunhado pela mídia.
O debate sobre os embargos infringentes foi mais uma prova da pressão da mídia. Nunca um juiz foi tão exposto à cobrança de jornais, revistas e televisão quanto Celso de Mello para votar contra tais recursos. Em nome da opinião pública, defendia-se o fim imediato do julgamento – uma pressão que quase deu resultado.

9 – O EX-MINISTRO JOSÉ DIRCEU FOI CONDENADO SEM PROVAS?
O jurista Ives Gandra Martins, conhecido por seu pensamento liberal e de oposição ao PT, afirmou, em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, que Dirceu foi condenado sem provas e que a teoria do domínio do fato foi adotada de forma inédita no STF.
De fato, não há provas materiais contra o ex-ministro José Dirceu. Tampouco o testemunho de Roberto Jefferson, corréu na ação penal, seria a comprovação de que o petista teria organizado e comandado o esquema para desviar dinheiro público e comprar votos de parlamentares na Câmara dos Deputados. Pelo contrário: dezenas de testemunhas, idôneas e ouvidas sob o crivo do contraditório, foram taxativas em afirmar que nunca houve compra de votos no Congresso e que José Dirceu não participou dos acordos financeiros do partido para quitar dívidas de campanha.
No julgamento, no entanto, os ministros desprezaram os testemunhos colhidos em juízo e optaram pela versão de Jefferson. Vários ministros, ao condenar Dirceu por corrupção ativa, fizeram referência ao testemunho do corréu. Ao julgar, não buscaram a verdade, mas sim certo contentamento verossímil com o frágil roteiro montado pela Procuradoria-Geral da República.
As três audiências na Casa Civil em que Marcos Valério esteve presente foram fartamente explicadas pela defesa do ex-ministro. Em 30 meses de governo, José Dirceu recebeu centenas de empresários acompanhados de seus assessores. Uma rotina inerente à função de ministro-chefe da Casa Civil. Jamais houve qualquer encontro particular de Dirceu com Valério.

10 – AS PENAS IMPOSTAS PELO SUPREMO FORAM EXAGERADAS?
A comunidade jurídica apontou por diversas vezes o exagero das penas, muitas delas acima do crime de homicídio, por exemplo. Em nome da exemplaridade no combate à corrupção, optou-se, para usar a linguagem dos tribunais, por ‘penas mais gravosas’. A fase de dosimetria foi marcada por uma constrangedora confusão entre os ministros, liderados pelo relator Joaquim Barbosa, ao tentar manter alguma coerência na metodologia para apenar os réus. Com medo de sentenciar a penas prescritas, decidiram impor no crime de formação de quadrilha uma pena base muito mais elevada se comparada com a de outros crimes. A clara contradição chegou a ser questionada por alguns ministros durante o julgamento dos embargos de declaração, porém foram vencidos pela maioria.

11 – HOUVE MAIS RIGOR NESTE CASO DO QUE COM OUTROS ESCÂNDALOS?
Na verdade, não se deve afirmar que houve mais rigor neste caso se comparado com outros escândalos. O que ocorreu, nos últimos anos, foi uma campanha muito bem sucedida em transformar a denúncia no “maior escândalo de corrupção do governo Lula e da República”, algo muito maior que o crime eleitoral assumido pelo PT ainda em 2005. A estratégia buscou encontrar casuísmos para prejudicar o PT, algo que não foi possível fazer nas urnas.
No governo Fernando Henrique Cardoso, as investigações relevantes contra o PSDB nunca foram adiante. Ficavam engavetadas na Procuradoria-Geral da República. De tanto arquivar processos, o PGR foi apelidado de ‘engavetador-geral da República’.
Recentemente, o escândalo das licitações viciadas para o Metrô de São Paulo ressuscitou a técnica de proteção aos tucanos. O procurador Rodrigo de Grandis ignorou por três anos a investigação aberta pelo Ministério Público da Suíça para apurar o envolvimento de empresas multinacionais, como a Alstom, nas licitações com cartas marcadas. O caso só veio à tona quando outra empresa participante do esquema decidiu denunciar.

12 – O QUE É A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO E POR QUE ELA FOI USADA? 
Ao lado das outras violações já ditas acima, o STF usou a teoria do domínio do fato como o argumento jurídico central que permitiu à maioria dos ministros concluir pela condenação de boa parte dos réus. Foi a maior das inovações durante o julgamento, como afirmou o jurista Ives Gandra Martins à Folha.
O problema essencial é o modo como a teoria, importada de tribunais alemães, foi usada no STF. Embora originariamente ela não dispense a necessidade de provas para qualquer condenação, o Supremo caminhou na direção contrária. Os ministros adotaram a interpretação de que o cargo ocupado pelo réu é o suficiente para concluir a culpa.
Foi assim no caso do ex-ministro da Casa Civil, como apontou o relator, Joaquim Barbosa: “José Dirceu detinha o domínio final dos fatos. Em razão do elevadíssimo cargo que exercia na época dos fatos, José Dirceu atuava em reuniões fechadas, em jantares, encontros secretos, executando atos de comando, controle e garantia do sucesso do esquema criminoso, executado em esquema de divisão de tarefas”.
Ou seja, sem provas, o STF recorreu à função ocupada pelo ex-ministro para chegar à condenação. O ministro Luiz Fux chegou a justificar seu voto pela “lógica da vida”. Foi o ápice do desprezo pelas provas.
Em 2012, durante a primeira fase do julgamento, o principal expoente da teoria do domínio do fato, o jurista alemão Claus Roxin, foi taxativo ao dizer que ela não dispensa a comprovação da culpa do acusado. A condenação pela simples ascendência hierárquica seria uma aplicação indevida do domínio do fato. 

13 – O MENSALÃO REPRESENTOU UMA AMEAÇA À DEMOCRACIA?
Essa tese só se sustenta a partir da premissa de que teria havido desvio de dinheiro público e compra de votos, o que, como já dito acima, não se sustenta perante uma análise crível dos autos. O acordo financeiro entre partidos para alianças em futuras eleições em nada ameaça a democracia. Este é o regime vigente, referendado pelas regras do Tribunal Superior Eleitoral.
Se o mensalão não representa uma ameaça à democracia, o mesmo não se pode dizer da condução e da conclusão do julgamento no STF. A Ação Penal 470 negou aos réus que não tinham foro privilegiado o direito ao duplo grau de jurisdição, uma clara afronta à Convenção Americana dos Direitos Humanos. Ao longo do julgamento, as provas que desmontavam o roteiro da PGR foram menosprezadas. Em novembro, em pleno feriado da República, o ministro Joaquim Barbosa decretou ilegalmente as prisões dos réus, uma nova violação de garantia constitucional.

14 – O JULGAMENTO FOI UMA VITÓRIA CONTRA A CORRUPÇÃO?
Não há como falar em vitória contra a corrupção porque, apesar de toda retórica ao longo do julgamento e do papel da imprensa em destacar a exemplaridade do caso, o STF errou ao concluir que houve desvio de dinheiro e compra de votos. Os acordos financeiros entre os partidos e os pagamentos realizados, com lastro no caixa 2, não constituem corrupção, e sim crime eleitoral.
O caso expõe a crise do sistema político, que prevê o financiamento privado de campanha, dando a brecha para doações ilegais por meio do caixa 2 das empresas. O que se faz necessário é avançar na reforma política, optando, entre outros pontos, pelo financiamento público exclusivo de campanhas.

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