Os 3 principais diários brasileiros de circulaçao nacional registraram com zelo a mais recente manifestaçao do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que viaja pela Europa em férias oficiais, com direito a diárias e cobertura regular da imprensa. Desta vez, o ministro se queixa da Folha de S Paulo, que publicou entrevista com o deputado Joao Paulo Cunha (PT-SP), que foi condenado na Açao Penal 470 mas nao pode começar a cumprir sua pena porque o presidente do STF nao deixou o mandado assinado. De quebra, atira para todo lado, ao se referir a uma tal “imprensa bandida”.
O noticiário em torno do magistrado ganha contornos de chanchada, aqueles velhos filmes feitos na Boca do Lixo, em Sao Paulo, tal o conjunto de falsos improvisos e dramas capazes de fazer rir.
Observe-se, por exemplo, como o ministro aparece sempre em situaçoes de aparente casualidade, fazendo compras numa loja de departamentos típica da classe média, sentado na poltrona da classe econômica de um aviao e caminhando pelas ruas como um cidadao comum. É preciso muita comunicaçao entre assessor de imprensa e repórteres para criar esse clima de improviso.
Registre-se que os correspondentes e enviados especiais dos jornais estao sempre um passo à frente, esperando-o nos embarques e desembarques, estao informados de que ele chegará em tal lugar a tal hora, e podem contar que ele terá uma frase de efeito para assegurar um lugar de destaque na ediçao seguinte.
Detalhe: embora tenha recebido regularmente suas diárias como se estivesse a serviço, por conta de palestras que proferiu na França, o presidente do STF encontra-se oficialmente em gozo de férias, mas a cobertura é de chefe de Estado.
Também há muita comicidade nos diálogos, ou melhor, nas falas do ministro, sempre recheadas de expressoes fortes e pontuadas por um mau humor digno do Seu Madruga, o irritadiço personagem da série televisiva Chaves. Se o observador isolar a severidade que as carrancas do magistrado tentam induzir em suas manifestaçoes, o conjunto apresentado pela imprensa ganha ares de comédia popular.
Vejamos, entao, o capítulo apresentado nas ediçoes desta 3a feira, 28: em outra circunstância “casual” que a imprensa nao explica, o presidente da Suprema Corte declara a jornalistas do Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo que a imprensa nao deveria ter publicado entrevista com o deputado Joao Paulo Cunha, porque, tendo sido condenado à prisao, o parlamentar tem que permanecer no ostracismo.
À parte o natural questionamento que deveria se seguir a essa afirmaçao no mínimo controversa, nao ocorreu a nenhum dos repórteres observar que o deputado deu a entrevista porque está fora da prisao, e só nao foi preso porque o ministro viajou sem emitir o respectivo mandado.
Afora o fato de que os editores do Estado de S. Paulo confundem os sentidos das palavras “mandado” e “mandato”, registre-se que o principal motivo de irritaçao do ministro foi uma frase do parlamentar condenado, na qual ele afirma que a omissao do presidente do STF, ao viajar sem ter assinado o mandado, foi manobra planejada para se manter no noticiário, mesmo em férias e ausente do país. Foi, segundo o deputado, “pirotecnia para ter mais 2 minutos de repercussao”.
O Estado também cita, mas os demais jornais nao tiveram acesso, ou preferiram ignorar, uma entrevista concedida pelo magistrado à Radio France Internationale, na qual ele declarou o seguinte: “Há uma certa imprensa bandida no Brasil, com pessoas pagas com fundos governamentais que estao aí para me atacar, enquanto eu faço o meu trabalho”.
“Faço o meu trabalho e estou pouco ligando. Minha honestidade cabe aos brasileiros avaliar, nao a esses bandidos”, completou o ministro, numa demonstraçao de que se leva em altíssima conta.
Na interpretaçao do diário paulista, ele se referia à denúncia de que estaria recebendo diárias no valor de R$ 14 mil, mesmo em viagem de férias. O jornal vestiu a carapuça, ao lembrar ter sido o veículo a revelar a informaçao sobre as diárias, o que coloca seus editores na obrigaçao de responder ao xingamento.
A menos, claro, que os editores do Estado de S.Paulo acolham a ofensa, e como nas histórias de “amores bandidos”, aceitem apanhar em silêncio. E isso também é típico das chanchadas.
Por: Luciano Martins Costa
Nenhum comentário:
Postar um comentário