Sempre que traficantes são presos no Brasil, aparecem líderes de quadrilha nos morros do Rio de Janeiro e, como evidência da riqueza deles, são exibidas imagens de sobrados em favela com banheira de hidromassagem, TVs de tela plana e bugigangas banhadas a ouro.
Numa das últimas operações, chamada pela Polícia Federal de “Durga”, a líder de uma quadrilha “interestadual” seria uma jovem de 18 anos, loira e bonita. A notícia saiu com destaque nos telejornais da Globo.
A loira, que está presa, aparece em imagens do circuito interno da rodoviária do Tietê, em São Paulo, e puxa uma mala de rodinha, onde haveria cocaína escondida em garrafas de vodca.
No caso da apreensão de 445 quilos de pasta base de cocaína em Afonso Cláudio, no Espírito Santo, a PF esbarrou em figuras bem mais proeminentes do que os chefes nas favelas do Rio ou a loira da rodoviária de São Paulo.
O helicóptero usado para transportar a droga pertence a um senador e a um deputado estadual, pai e filho, Zezé e Gustavo Perrella, grandes empresários em Minas Gerais.
Mas, segundo a Polícia Federal, eles não têm envolvimento algum com a quadrilha. E esta não é a única ponta desamarrada na história. Há uma escala da aeronave que foi simplesmente deixada de lado nas investigações.
A pista que nunca foi seguida surgiu de anotações feitas à mão pelo piloto Alexandre José de Oliveira Júnior, que indicavam os lugares onde o helicóptero deveria pousar na sua viagem para buscar pasta base de coca no Paraguai.
Numa das folhas, Alexandre anotou as coordenadas de satélite: – 23.06.44.7 e – 46.42.59.3. O GPS utilizado na viagem, que registra o trajeto do voo, confirma um pouso bem próximo dessas coordenadas: – 23.12.06.68 e – 46.71.34.09.
De posse dessas informações, confirmadas pela perícia, a Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo pediu o apoio de agentes do órgão em São Paulo.
O agente José Rebello Montenegro foi com mais dois colegas para o local indicado pela anotação e pelo GPS, no município de Jarinu, a 45 minutos de São Paulo.
Naquela época, a PF parecia ter pressa. A diligência foi feita no dia 27 de dezembro, dois dias depois do Natal.
Os policiais foram à prefeitura da cidade em busca de informações sobre o imóvel, mas encontraram tudo fechado. Era o recesso de fim de ano.
No cartório de Atibaia, que guarda os registros de imóveis da região, tiveram mais sorte. O órgão funcionou naquela semana entre o Natal e o Ano Novo, em que quase nada acontece, e ali descobriram que as coordenadas do GPS correspondiam ao maior complexo turístico da cidade, o Parque D’Anape.
O hotel, de propriedade dos irmãos Celso Antônio e Christiane Daud Pereira, funciona numa fazenda.
Em seu site na internet, o Parque D’Anape se apresenta como um hotel que proporciona a seus hóspedes uma estadia extremamente agradável. Cercado de montanhas, muito verde e pássaros silvestres.
O contato com a natureza não é a única vantagem que o hotel destaca. “Você desfrutará de apartamentos confortáveis, diárias com café da manhã, sem falar no carinho, atenção e aconchego que é oferecido pela nossa equipe”, informa.
O Parque D’Anape é também conhecido pelos shows que promove. A dupla sertaneja Bruno e Marrone esteve lá e está programada para o dia 23 de maio a Noite Portuguesa com o cantor Roberto Leal.
No relatório final da PF, entregue à Justiça federal, a delegada Aline Pedrini Cuzzuol recomendou mais investigação sobre o D’Anape.
– Se fazem necessárias diligências no local a fim de obter informações sobre a propriedade onde de fato ocorreu o pouso e depois proceder diligências ‘in loco’ e a oitiva dos respectivos proprietários.
A delegada deixou entre parênteses uma suspeita grave:
– Podem ser os proprietários da droga apreendida.
A recomendação da delegada até agora não foi atendida. Eu entrei em contato com a proprietária do Parque D’Anape, Christiane Daud Pereira.
Ela disse que não foi procurada pela polícia e negou que tenha havido pouso de helicóptero na propriedade. “É um absurdo, eu sou contra droga”, afirmou.
Mais tarde, o advogado dela me procurou para reforçar a negativa. “A posição é esta: não houve pouso de helicóptero”.
Numa entrevista que me concedeu, registrada em vídeo, o piloto Alexandre garantiu o pouso no hotel, informação confirmada pela anotação que fez ao planejar o voo.
No papel manuscrito, um detalhe chama a atenção. O piloto faz referência a dois carros que lha dariam apoio em Jarinu. Está escrito que um deles seria um Jeep verde, veículo que até pouco tempo circulava pelo Parque D’Anape como propriedade do marido de Christiane.
Alexandre afirma que a droga foi descarregada ali no dia 23 de novembro, sábado, antes que o helicóptero fosse para o Campo de Marte, em São Paulo, onde a aeronave pernoitou.
No dia seguinte, o helicóptero voltou ao hotel, recarregou a droga e partiu para o destino final, Afonso Cláudio, no Espírito Santo.
Segundo o piloto, no hotel ficaram cerca de 50 quilos de pasta base de cocaína. “Foram três sacolas pretas cheias e bem pesadas”, declarou.
Para um policial de São Paulo com experiência em investigação de narcóticos, a Polícia Federal encontrou uma mina de informações preciosas, mas não aproveitou a oportunidade.
Segundo ele, a PF abandonou o “garimpo” e deixou a investigação sob o risco de ir parar na lata do lixo por causa de uma suposta utilização de provas ilícitas – leia-se grampo.
Um exemplo é o que aconteceu depois que os agentes da PF em São Paulo levantaram informações sobre a escala do helicoca em Jarinu e encontraram o hotel fazenda Parque D’Anape. Ou seja, nada.
Do DCM
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