segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Entenda o que foi a AP 470 ("mensalão") através do excelente texto da professora Taylisi Leite



Na última sexta-feira (20/09) um leitor da página no Facebook enviou-me via "inbox", o texto a seguir, de uma professora de direito e sua analise sobre o processo do chamado "Mensalão" (AP 470).

Ela explica de forma tão didática que eu achei digno que o texto fosse publicado aqui.
Peço para que todos compartilhem este texto com conhecidos, amigos no Facebook, etc.


Leia o texto a seguir:

Eu ainda não havia escrito nada sobre isso porque, honestamente, estou morrendo de preguiça da ignorância.
Amigxs que abraçaram a empreitada já relataram suas decepções, o que me desanimou ainda mais. Porém, ao receber do meu querido irmão a pergunta "o que são embargos infringentes?" nesta madrugada (sim, de madrugada), percebi que devia me manifestar. Então, meu lado professoral falou mais alto e decidi esclarecer do que se trata em respeito às pessoas de boa-fé e boa índole que não são da área e se depararam nos últimos dias com a polêmica geral em torno desse instituto jurídico de nome tão estranho, e também em atenção aos queridxs dos primeiros anos do curso de Direito. Então, me perdoem os colegas expertos, pois serei bem didática.
Embargos infringentes são um recurso cabível de decisões não unânimes. Os julgamentos nos Tribunais (diferente das Varas de primeira instância) são proferidos por mais de um Desembargador ou Ministro ("Juiz"). Então, se eles discordarem sobre a decisão, a defesa pode pedir um reexame do caso.
Trata-se de um recuso exclusivo da defesa. Por que? Como todo recuso em sentido estrito, os embargos infringentes têm efeito devolutivo, isso significa que eles devolvem o caso para ser julgado novamente. Todo recurso tem essa função e esse é seu papel no direito. Isso existe em nome de alguns princípios. O primeiro é o duplo grau de jurisdição, que existe para todo réu ter direito a uma reapreciação do seu caso. Imaginem se o primeiro juiz que jugar alguém se enganar, errar ou julgar desfavoravelmente porque não foi com a cara do réu, por exemplo: ele precisa ter direito a um reexame do caso. Outro princípio é o da ampla defesa, pelo qual todo réu tem direito a explorar e esgotar todos os meios de se defender, pois um direito máximo está em jogo: sua liberdade. temos também o "in dubio pro reo": por este princípio, se houver dúvidas sobre a condenação, por falta de provas ou qualquer outro motivo, o réu não pode ser condenado. Se houver alguma dúvida, como mandar alguém para a prisão? É em nome desse princípio que só a defesa pode entrar com esse recuso (a acusação não se beneficia da dúvida; se houver dúvida, absolve-se).
Esse princípios existem para o Delúbio Soares, para o Zé da Silva, para a Dona Maria, para o Eike Batista, para mim, pra você,  pra sua mãe... Qualquer pessoa que estiver respondendo a um processo criminal tem esses direitos, para que ninguém seja condenado injustamente. Então, quando as pessoas ignorantes se revoltam contra esses direitos estão se revoltando contra seus próprios direitos. É isso que elas são incapazes de entender. Não quer que o Delúbio tenha direito a recurso? Tomara que um dia você ou sua mãe atropelem alguém sem querer e também não tenham direito! Entendem o problema, povão?
Uma querida amiga indignada postou estes dias que ninguém dá palpite nos melhores tratamentos médicos, mas todo mundo quer dar pitaco nos julgamentos. Respeitem nossa ciência, leigos! É o mínimo, inclusive, de cidadania, compreender que o direito têm regras que devem ser respeitadas, e nós estudamos para compreendê-las e vocês não. Isso diferencia nossas opiniões.
Pois bem, prometi não perder a paciência...

Via de regra, quem tem a competência legal para verificar se o recurso é admissível é o relator, e, de for admitido, todo mundo aprecia o mérito. Os requisitos de admissibilidade estão na lei. Muito embora Joaquim Barbosa tenha rasgado a lei em diversos momentos nessa ação penal, o recurso foi admitido.

Observem: houve dúvida, divergência em relação à condenação! Não é motivo suficiente para que essas pessoas tenham direito a uma reapreciação? Tem que ser muito ruim ou muito ignorante pra não perceber isso. Espero, de coração, que os revoltosos se revejam...

Agora, para quem tem mais fundamento no debate, que afirma serem incabíveis embargos infringentes (EI) quando há competência originária por prerrogativa de função:

Só uma breve explicação para os leigos - a competência originária funciona assim: quando você ocupa um cargo ou função muito importante, você não é julgado pelo juiz da vara criminal da sua comarca; o seu primeiro julgamento é direito no tribunal. Os deputados federais são julgados direto no STF (esta é a primeira instância deles). Por isso, argumenta-se que aqui não caberia o duplo grau de jurisdição nos EI.

Ora, a competência originária é um benefício constitucional no interessa da nação, e jamais poderia ser usada para retirar garantias fundamentais de quem exerce função pública. Imagine: sou deputado e, por isso, perco direitos que toso os outros brasileiros têm... isso seria um disparate!

Por fim, em relação ao mérito: o julgamento do mensalão foi o maior absurdo jurídico desde a redemocratização de 1988. Isto porque muitas pessoas foram condenadas sem justificativa legal. No direito penal, você tem que realizar a conduta (o verbo) escrita na lei. Para o crime de corrupção ativa, por exemplo, vc tem que oferecer ou prometer vantagem pra alguém. Então, você só cometeu o crime se houver provas disso. No caso mensalão, não havia provas para algumas pessoas, mas o STF supôs que eles sabiam só por ocuparem determinados cargos, sem que tenham efetivamente praticado as condutas da lei. Isso é um absurdo penal!

Imagine você ser condenado por um crime porque o juiz supôs que você sabia que um subordinado seu realizou um ilícito. Pois é, foi isso que aconteceu com José Dirceu e José Genoíno.
Ainda houve outros absurdos. Por exemplo, foram admitidas provas ilícitas, desrespeitando completamente a lei. Foi aplicada lei posterior... Imagine você ser condenado com uma prova produzida ilegalmente, ou você ser condenado com base numa lei que foi feita depois do seu ato... Hoje, estou de vermelho... Amanhã, sai uma lei proibindo usar roupa vermelha e ela me atinge? Só para ilustrar a você  leigo, o absurdo desse julgamento... Esse foi o caso do Bispo Rodrigues, que não é do PT.

Isso só para deixar claro que, quando nos indignamos com esse julgamento, não estamos "defendendo o PT". Estamos defendendo a legalidade, direitos de todos, que são meus e seus também!

É justamente o contrário: a lei foi rasgada nesse caso porque é o PT, porque as classes ricas e poderosas deste país odeiam o PT. Rasgar a lei e a Constituição por ódio de classe e perseguição política é fascismo! Esse julgamento nos amedronta muito, e as pessoas que babam ódio ainda mais. Gostar do que foi feito é fascista!

Agora, pela primeira vez neste caso, o STF está seguindo a lei. Cuidado se você a amou a postura do STF antes e se revoltou agora: isso é significativo sintoma de fascismo crônico, associado a alienação!
(Taylisi Leite)

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