* do site http://beatlescollege.wordpress.com/
“Paul, levanta! Atende logo esse telefone, por favor!”
Linda me cutucava. Era de madrugada. Eu
sabia que o telefone estava tocando, tocou diversas vezes, mas eu
preferi ignorar, e continuar dormindo, uma hora a pessoa que telefonava
teria que desistir. Mas a pessoa não desistiu.
Resolvi atender pelo único motivo de
poder falar rápido, desligar, e continuar dormindo. Amanhã eu precisava
acordar cedo, começaria a trabalhar em um novo projeto, e seria um dia
longo e cansativo.
Estiquei o meu braço na preguiça de levantar, e peguei o telefone em cima do criado – mudo.
“Alô?” – Perguntei, e tentei me esforçar
para não ficar com uma voz de sono. No outro lado da linha, tocava uma
música que eu não escutava e muito menos cantava fazia muito tempo, All
My Loving, música que costumava me trazer boas lembranças, tornou a vir
em minha mente cercada de momentos ruins. Comecei a ficar com raiva,
pois além da música no fundo, eu ouvia muitas vozes e muito ruído. –
“Alô? Isso é alguma piada?”
“Paul? Você está me ouvindo? Paul!”
Meu coração bateu mais forte no momento em que reconheci a voz de Yoko.
“Sim, estou, fale.”
“John! É com o John!”
“John? O que está acontecendo, Yoko?”
“Você… Não ficou sabendo?”
“Não! O que houve? Ele está bem?”
“Um louco atirou nele!”
“E como ele está? Aonde vocês estão? Me diz, eu já chego ai, vou me arrumar!’’
“Paul… Ele morreu… Ele não aguentou, ele morreu.”
Eu deixei o telefone cair no chão. Por um
minuto, eu fiquei cego. Ouvia Linda me chamando no fundo, perguntando o
que acontecia, mas as palavras não saiam da minha boca. Minha mente
ficou vazia. Dentro do meu peito, parecia que tinha alguém apertando o
meu coração. Fechei meus olhos com força, tentando acordar daquele
pesadelo horrível. Mas nada aconteceu. Era real. John estava morto.
Fechei meus olhos mais uma vez, e minha
cabeça se encheu de lembranças. Tudo que eu havia vivido até agora, se
passava pelos meus olhos. Me vi correndo com Mike no quintal de casa,
com meu pai sentado, nos olhando e rindo. Vi minha mãe, com o belo
sorriso dela. Me vi sentado em um ônibus com Ivan Vaughan, que insistia
para que eu fosse na igreja local ver a banda de seus amigos se
apresentar. Me vi em St Peter’s, ao lado de Ivan, assistindo as bandas,
até que a banda de seus amigos, Quarrymen, entrou. John Lennon. Não foi a
banda que me chamou atenção, foi um membro em particular. John Lennon.
Eu queria ser como ele, agir como ele, andar com ele, ser amigo dele.
“Qual seu nome?” me lembro dele me perguntando, com aquela voz sempre
num tom irônico. O sorriso dele quando me viu tocando Twenty Flight
Rock. Aquele sorriso. O sorriso que mostrava que tinha alguém doce e
gentil por trás daquela fachada de teddy boy. Me vi na casa dele, com a
sua tia me olhando com um olhar de desaprovação. Me vi subindo as
escadas que levava ao quarto de John, o espaço aonde ele se sentia
seguro. Me vi sentado na cama dele, o ensinando a tocar violão. Me vi
rindo dele, quando ele ficou de óculos pela primeira vez na minha
frente. Me vi sendo seu melhor amigo. Me vi sentindo ciúmes de John ao
lado de Stu. Me vi em Hamburgo, em um mundo diferente. Me vi atingindo
sucesso na Inglaterra. Me vi fazendo parte da banda de maior sucesso da
década de 60. Me vi nos palcos com John, aos risos, sem ouvir nada do
que os outros ou o que nós mesmos dizíamos. Me vi já na nova casa de
John, aonde ele vivia com Cynthia e Julian. Me vi deitado na beira da
piscina de John, ao seu lado, com Julian brincando do outro lado. Me vi
escrevendo músicas como Two of Us e I’ve Got A Feeling, e dizendo para
os outros que não era sobre o John, mas no fundo, nem a mim mesmo eu
convencia que não era pra ele. Me vi sentando ao piano, discutindo com
George, e com John sentado ao lado de Yoko, apenas observando. Me vi nos
Beatles pela última vez. Me vi brigando com John publicamente, por meio
de músicas. Me vi. Vi uma figura triste, amarga e vazia. Vi um homem
perdido, que sentia falta de seu melhor amigo. Me vi criando o Wings, e
fazendo sucesso. Me vi tentando esquecer John e seguir em frente sem a
sua amizade. Me vi voltando a falar com John, e dias depois, voltando a
brigar com ele novamente. Me vi assistindo a luta de John para conseguir
seu green card para ficar morando nos EUA. Ninguém sabia, mas no fundo,
eu torcia para que ele não conseguisse. Não para a sua infelicidade,
mas apenas para ele continuar aqui, perto de mim, na Inglaterra. Vi Yoko
grávida. Vi John largando a sua carreira para criar o seu novo filho,
Sean. Me vi feliz, pois sabia que John estava feliz. Me vi sentando em
casa, semana passada, até Linda me chamar.
Linda disse que tinha alguém no telefone
que queria falar comigo, mas não quis dizer quem era. Fiquei nervoso.
Era John. O nervosismo tinha passado. Eu não conseguia acreditar, pois
não nos falávamos a alguns anos, e estávamos brigados. Foi muito
prazeroso ouvir aquela voz depois de tanto tempo, e mal eu sabia, que
seria pela última vez. Ele disse ao telefone que sentia minha falta, que
queria tentar de novo, “reatar” a nossa amizade, voltar aos palcos e
aos estúdios. Disse que se sentia preparado para voltar a ser o que era
antes, e que queria a minha ajuda para isso. Também pediu desculpa,
segundo ele, “por ter sido um completo filho da puta” e que a minha
amizade nesse momento era tudo que ele precisava.
Nessa ligação, conversamos por mais de
uma hora, e eu perguntei se ele gostaria de passar as comemorações de
natal, junto comigo e minha família. Ele recusou, e disse que no
momento, aquela ligação era tudo que eles precisavam, e que o resto, ele
ia deixar a vida dizer. Acho que ele sabia. Ele sabia que algo
aconteceria. E ele não queria que eu me envolvesse mais ainda. Ele quis
falar comigo pela última vez.
Depois de um tempo em choque, me toquei
que estava trancado no banheiro do meu quarto, com Linda ao lado de fora
quase chorando, sem saber o que estava acontecendo. Me levantei,
decidido a falar com ela, e contar o que se passava.
Antes de sair do banheiro, fiquei me
olhando no espelho por um bom tempo. Meu rosto estava inchado. Fiquei
pensando em Mimi, Julian, e em Sean. Tentei não imaginar a dor que eles
provavelmente estavam passando. O mundo amanheceria sem um ídolo, sem um
herói. Mimi amanheceria sem o seu sobrinho, Sean e Julian, sem um pai. E
eu? Eu amanheceria sem o meu melhor amigo.
Na minha cabeça, uma coisinha ficava
martelando, na verdade, uma frase, que eu sabia que tinha que colocar
logo em um papel. Corri, peguei uma caneta, e anotei a frase. “And if I say I really knew you well, what would your answer be? And if I say I really loved you, and was glad you came along…”
Notas Finais:
Pra quem não entendeu a parte de estar
tocando All My Loving no fundo da ligação da Yoko: quando John foi
levado ao hospital depois de ser baleado, por coincidência, a música All
My Loving dos Beatles estava tocando na recepção.
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