quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Alceu Valença: a entrevista que a Veja não publicou



Revista Veja fez uma boa entrevista com o Alceu Valença acerca do debate sobre publicação de biografias sem autorização. As respostas não agradaram aos editores que, bem ao estilo VEJA, resolveram engavetar o trabalho. 
Alceu Valença, em contrapartida, transcreveu em seu facebook a entrevista. Leia:


- O senhor disse: “A ideia de royalties para os biografados ou herdeiros me parece imoral. Falem mal, mas me paguem…(?) é essa a premissa??? Nem tudo pode se resumir ao vil metal!” – Para você, é o pior ponto dessa história? A questão dos royalties? Por quê?
AV – O trabalho de um biógrafo é uma extensão do trabalho do repórter. Não seria estranho eu cobrar para fazer uma entrevista para jornais, revistas ou Tvs? A solução que algumas pessoas defendem é que se cobre royalties para autorizar biografias. Ou seja: pode falar mal, mas me paguem, como escrevi no texto da internet. Isso me parece uma distorção da função das biografias.
- É maior o direito de privacidade ou o direito de expressão?
AV – O direito de expressão é inerente ao regime democrático. E o direito à privacidade é uma prerrogativa que qualquer cidadão tem de se defender de injúrias e calúnias. O Poder Judiciário deve ser rápido e eficaz na garantia desses direitos.
- Os artistas dizem que a justiça brasileira é lenta e demoraria para tirar uma biografia’ mentirosa’ de circulação. Mas foi essa mesma justiça quem tirou, rapidinho, a biografia de Roberto Carlos das livrarias. Esse argumento também parece esquisito para o senhor?
AV – Se neste caso foi rápida, em outros, a justiça se arrasta como um bicho-preguiça. Justiça vagarosa pode promover a injustiça.
- Para o senhor, essa autorização prévia é censura?
AV – A autorização prévia promoveria biografias chapa-branca. Lenço branco com função de mordaça.
- O senhor estava quieto no seu canto nessa polêmica. Valeu a pena se envolver nessa briga? Por que resolveu se manifestar?
AV – Costumo debater os temas importantes da sociedade brasileira e expressar minhas opiniões no meu Facebook. Sou formado em Direito, como meu pai, que sempre me dizia: “não gosto de fechar questões”. A discussão é salutar e cada qual dá sua opinião.
- Algo te magoou ou entristeceu muito nessa polêmica? Algo ou alguém? – Ou muito nervoso?
AV – Nada, ninguém, absolutamente.
- Está decepcionado com Chico ou Caetano? Por que? Decepcionado com outra pessoa?
AV – Admiro-os artisticamente, admiro como pessoas, mas não sou obrigado a concordar com eles. Assim como eles não são obrigados a concordar comigo. Não há decepção nisso.
- A música e cultura brasileira perdem com essa posição do “Procure Saber”?
AV – Todos devemos procurar saber sobre a história de nosso país. Neste caso, a busca do conhecimento de nossa identidade fica limitada.
- Se alguém fosse escrever sua biografia, o que você pediria? Teria alguma exigência?
AV – Que ele fizesse um bom trabalho de pesquisa, não mentisse e que procurasse fontes idôneas.
- E que fatos desconhecidos do público revelaria?
AV – Hoje em dia, a vida das pessoas é quase um livro aberto. Acho curioso que num momento onde todos expõem suas vidas nas redes sociais, surja esta polêmica diante de algo que procure limitar a exposição das personalidades. Artistas se expõem naturalmente.
- Todo mundo costuma ter alguma coisa da vida privada que preferiria manter em segredo. O senhor também? Tem segredos? Por que?
AV – Posso revelar que tenho um banheiro ao ar livre na cidade alta de Olinda. Para conhecer este aspecto da minha vida privada, só de helicóptero.
- Por que acha que eles (Caetano, Gil etc) pensam assim? Acham que escondem alguma coisa?
AV – Pensam assim porque eles têm o direito de pensar. O contraditório faz parte do regime democrático.
- O que acha de Paula Lavigne, que nem cantora é, estar encabeçando o “Procure Saber”?
AV – Ela trabalha há anos como produtora na área de shows e cinema, é atriz também. Por que não seria legítimo ela encabeçar o grupo?
- Se algum escritor fizesse a sua biografia, ele ficaria rico? Acha que venderia muito?
AV – Se ficasse rico, seria às custas do trabalho dele. Não tenho problema com isso.
- Nessa história, qual o tipo de reação que o deixou mais impressionado?
AV – Adoro discussão. O que me impressiona, em qualquer tema, é a falta de debate.
E um extra, se topar responder: – Pode nos dar duas boas informações – que estariam numa possível biografia sua – que, até hoje, ninguém sabe, sobre a sua vida?
AV – “Cito uma letra minha, onde me auto defino. Eu sou como o vento que varre a cidade / você me conhece? Precisa me ver. Sou presente de grego / cavalo de troia / sou cobra jiboia / saci Pererê. Um anjo caolho que olha os dois lados”. Um livro aberto, sem nada a temer.
- Biografias podem inspirar e incentivar os leitores, principalmente crianças e jovens. Alguma vida de personagem célebre o marcou? Quem?
AV – Gosto muito dos livros de Frederico Pernambucano, sobre Lampião, e da biografia de Luiz Gonzaga feita pela jornalista francesa Dominique Dreyfuss. São Livros honestos, com excelente trabalho de pesquisa, muito bem fundamentados.
- Cantadores sertanejos são biógrafos populares quando narram, com grande liberdade criativa, a vida de personagens como Lampião, Luiz Gonzaga e outros?
AV – Existe uma diferença fundamental quando se fala em biografias de personalidades e quando a vida de uma determinada pessoa adquire uma aura mitológica. Aí o autor se dá ao direito de inventar, fantasiar, mentir e criar lendas. Nomes como Lampião e Luiz Gonzaga transcenderam as próprias biografias, tornaram-se parte integrante do imaginário coletivo e suas vidas adquiriram um caráter fantástico, por vezes fantasioso, nas obras dos cantadores populares. A cultura popular alimenta estes mitos e também se alimenta deles.

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