Chico Buarque (publicado em O GLOBO)
Pensei
que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal.
Parece que não. Também me disseram que sua biografia é a sincera
homenagem de um fã. Lamento pelo autor, que diz ter empenhado 15 anos de
sua vida em pesquisas e entrevistas com não sei quantas pessoas,
inclusive eu. Só que ele nunca me entrevistou.
O texto de Mário
Magalhães sobre o assunto das biografias me sensibilizou. Penso apenas
que ele forçou a mão ao sugerir que a lei vigente protege torturadores,
assassinos e bandidos em geral. Ele dá como exemplo o Cabo Anselmo, de
quem no entanto já foi publicada uma biografia. A história de Consuelo,
mulher e vítima do Cabo Anselmo, também está num livro escrito pelo
próprio irmão. Por outro lado, graças à lei que a associação de editores
quer modificar, Gloria Perez conseguiu recolher das livrarias
rapidamente o livro do assassino de sua filha.
Da excelente biografia de
Carlos Marighella, por Mário Magalhães, ninguém pode dizer que é
chapa-branca. Se fosse infamante ou mentirosa, ou mesmo se trouxesse na
capa uma imagem degradante do Marighella, poderia ser igualmente
embargada, como aliás acontece em qualquer lugar do mundo. Como Mário
Magalhães, sou autor da Companhia das Letras e ainda me considero amigo
do seu editor Luiz Schwarcz. Mas também estive perto do Garrincha,
conheci algumas de suas filhas em Roma. Li que os herdeiros do Garrincha
conseguiram uma alta indenização da Companhia das Letras. Não sei
quanto foi, mas acho justo.
O biógrafo de Roberto Carlos escreveu
anteriormente um livro chamado “Eu não sou cachorro não”. A fim de
divulgar seu lançamento, um repórter do “Jornal do Brasil” me procurou
para repercutir, como se diz, uma declaração a mim atribuída. Eu teria
criticado Caetano e Gil, então no exílio, por denegrirem a imagem do
país no exterior. Era impossível eu ter feito tal declaração. O repórter
do “JB”, que era também prefaciador do livro, disse que a matéria fora
colhida no jornal “Última Hora”, numa edição de 1971.
Procurei saber, e a
declaração tinha sido de fato publicada numa coluna chamada Escrache.
As fontes do biógrafo e pesquisador eram a “Última Hora”, na época
ligada aos porões da ditadura, e uma coluna cafajeste chamada Escrache.
Que eu fizesse tal declaração, em pleno governo Médici, em entrevista
exclusiva para tal coluna de tal jornal, talvez merecesse ser visto com
alguma reserva pelo biógrafo e pesquisador. Talvez ele pudesse me
consultar a respeito previamente e tirar suas conclusões. Mas só me
procuraram quando o livro estava lançado. Se eu processasse o autor e
mandasse recolher o livro, diriam que minha honra tem um preço e que
virei censor.
Nos anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da
Censura, proibiu por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao
meu nome. Amanhã a TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos
arquivos as minhas imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras
para cantar minhas músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não
der, serei eu o censor.
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